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Sombras da Primavera teve a sua 1ª exibição académica, no dia 27 de junho, na UBI

Sombras da Primavera trata-se de uma curta-metragem de fantasia, desenvolvida por alunos finalistas do curso de cinema, da Universidade da Beira Interior, tendo esta sido rodada entre 11 e 26 de maio, na cidade da Covilhã e no Covão D’Ametade, localizado em Manteigas.

Surrealista e de cariz experimental, o filme apresenta como principais influências e fontes de inspiração a Alegoria da Caverna, de Platão, algumas das obras cinematográficas de Maya Deren, bem como obras da artista Lourdes Castro e ainda pinturas de René Magritte.

A curta-metragem nasceu de uma necessidade de explorar a inerência da busca de identidade presente na condição humana, sendo o intuito recriar uma procura pela essência mais genuína possível que nos é adjacente. No mesmo sentido, refletindo sobre as limitações que os nossos medos e ansiedades podem impor nessa mesma jornada de descoberta, o objetivo também consistiu em mostrar a forma como estes podem alterar a percepção que temos de nós e do que nos envolve.

Construindo um universo onírico que espelha os conceitos de liberdade em oposição ao aprisionamento, Sombras da Primavera pretende levar a refletir sobre a relação que o temos face a nós mesmos e como tal se implica na nossa visão da realidade.

ANÁLISE

Uma viagem surreal motivada pela procura de identidade e essência genuína poderia ser uma das possíveis descrições para a curta-metragem de fantasia Sombras da Primavera. Transportando o espetador para um universo imaginário, este ingressa numa jornada que espelha o interior do ser humano e como o mesmo implica uma determinada visão acerca de si próprio e do que o envolve.

Destaca-se, desta forma, a permanente tentativa de descoberta inerente à condição humana, presente, no filme, através da protagonista, porém, explorando os medos adjacentes a esse encontro do “eu”. Esses receios surgem personificados num ser místico sem rosto de vestes negras, que cria ilusões e entraves no reencontro da personagem principal, propondo este Medo constantes desafios que a primeira tenta decifrar. Este leva consigo sombras, que se constituem como réplicas de uma suposta realidade, sendo também elas a ponte para respostas que Sofia encontra ao longo do seu percurso.

Sombras da Primavera decorre em dois cenários, que colocam em evidência a dicotomia do aprisionamento face à liberdade. O interior, o edifício abandonado, de paredes gastas e frias, aponta para a prisão a que a personagem principal está sujeita e reforça o domínio do medo sobre a mesma, sendo lá que habitam as mencionadas sombras. Por outro lado, à natureza atribui-se a sensação de se poder ser livre, ao experienciar uma conexão da forma mais plena possível com a essência que lhe é singular, mas também à aceitação progressiva das inseguranças enquanto parte de si e possibilidade de as mesmas serem trabalhadas. A natureza abre, no fundo, portas para novos rumos.

Nesse sentido, as atmosferas são trabalhadas a fim de se diferenciarem também através da cor e da luz. O interior reforça os tons mais frios, sublinhando-se a sensação de distanciamento da personagem principal para consigo mesma, bem como a ideia de enclausuramento. A luz enfatiza o sombrio do espaço, fortificando o poder da personagem do Medo, sendo essa mesma luz que dá vida às enigmáticas sombras. Por outro lado, exalta-se a vividez e cores do natureza e elementos que nesta surgem, atribuindo-se-lhe uma ideia de esperança, de alternativas, de oportunidade de escolher, de liberdade.

Também toda a direção de arte explora as potencialidades dos espaços, conferindo e realçando todos os simbolismos que são propostos. Com inspiração clara em Renè Magritte, o quadro da chave funciona como uma forma de interpelação face ao que será ou não real. A gaiola, bem como as correntes apontam para o aprisionamento, mas são também elas que permitem reconhecer a condição da personagem, permitindo-a recomeçar.

No entanto, são diversos os mecanismos presentes que provocam ou sublinham confere as sensações referidas.

Há, por exemplo, um uso frequente de jump cuts, que enfatiza a ideia de sonho, alimentando o surgimento ou desaparecimento de objetos de forma repentina, tal como ocorre no universo do nosso subconsciente. Este recurso causa, assim, um efeito de estranheza, que desafia também o questionamento entre o limiar da verdade e do engano.

As panorâmicas, bem como as tilts, adensam, por sua vez, a intriga, funcionando como uma forma de antecipação do que está e irá a acontecer, tanto para Sofia, como para o espetador.

Além disso, no seguimento de ser trabalhada uma duplicação da personagem face ao seu interior e como o mesmo se expressa no mundo, essa é explorada também com uma espécie de efeito de espelho, na medida em que a personagem é filmada de um lado no interior e do lado oposto no exterior, contribuindo, da mesma forma, para a desorientação.

Dessa mesma maneira, a montagem desempenha um importante papel para colocar em perspetiva esse mesmo paralelismo, recordando e realçando o tom onírico da curta-metragem. Expande, assim, as dicotomias presentes no filme, estabelecendo uma conexão das sombras com o que supostamente é real, bem como entre o aprisionamento e a liberdade, permitindo uma dança entre espaços, salientado o conflito e as dúvidas inquietantes de Sofia.

Assim, também o som desempenha um papel bastante relevante. Desprovido de diálogos, o som do filme oferece ao mesmo uma sensação de permanente antecipação, de interrogação face ao que irá suceder. Destaca, na mesma linha, o surrealismo ao sugerir sons fora da realidade a determinadas imagens, como som de gotas e vidros aquando da queda de pétalas,

Sombras da Primavera propõe, assim, ao espetador confrontar-se com os seus medos e inquirir-se acerca da forma como se vê e se relaciona consigo mesmo e com o que está em seu torno, sugerindo que este se predisponha a perceber ou a descobrir qual a sua genuína essência. A curta-metragem não é sobre vencer os medos de um momento para o outro, sendo sobre a progressiva descoberta e a possibilidade de dominar esses mesmos receios, permitindo-nos ir além da conceção que temos de nós, expandido os caminhos. Vale ainda ressalvar que a curta-metragem é, sobretudo, para ser sentida e experienciada no seu lado mais sensível, retratando as vulnerabilidades do ser humano, convidando a que pensemos sobre as referidas e que possamos contactar com o nosso lado mais sensorial e emocional.

Patrícia Fernandes

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